AS MOEDAS PARTICULARES DA FAZENDA BOM SUCESSO – Uma grande empreitada monetária no interior do nordeste.



A serra de Baturité, a 100 km de Fortaleza, teve como principal atividade a cultura do café, explorando esta cultura a regioão viveu seu ápice comercial, comparável ao ciclo da borracha na Amazônia. A cultura do café na Serra de Baturité não dependia dos grandes latifundiários, era uma cultura explorada pelas pequenas roças ou capoeiras, pertencentes aos pequenos proprietários, que tinham no café sua principal cultura e fonte de renda, estes pequenos cultivadores eram numerosos na região.

A Fazenda Bom Sucesso, era de propriedade de Manoel José D’Oliveira, e em sua localização tinha como principal atrativo os recursos hídricos, tal abundância de água na propriedade, propiciava a construção de um “rodeiro” utilizado para beneficiar o café. Com o “rodeiro”, uma boa interlocução e a confiança da vizinhança, D’Oliveira passou a beneficiar quase todo o café da serra de Baturité, tornando-se um dos maiores fazendeiros da região no final do século XIX e início do século XX.

D’Oliveira já contava com uma substancial condição financeira quando mandou cunhar as moedas particulares da Fazenda Bom Sucesso na Europa. Não se sabe ao certo o país onde foram cunhadas, mas o historiador Levy Jucá, especula que possivelmente teriam sido cunhadas em Portugal.

As moedas da Fazenda Bom Sucesso traziam em sua cunhagem algumas particularidades. Elas não apresentavam o valor em réis, mas em Alqueire, uma Terça e uma Quarta. Isso facilitava a operação de compra do café colhido. A moeda foi ganhando força na região e circulou no período entre 1896 até 1916 e eram aceitas até em outras regiões como, Maranguape e Quixadá.

Para que a moeda pudesse se desenvolver, uma vez lastreada pela força do café, a Fazenda Bom Sucesso teve a necessidade de estabelecer um sistema econômico próprio. ### Naquela época não havia inflação, mas no inverno, o café tinha ainda mais valor por ser mais complicado o seu cultivo e colheita. Por seu volume de negócios, Manoel José D’Oliveira passava o verão na serra e o inverno no sertão. O clima da região era considerado muito frio para os padrões da região, chegando a 13º nas noites mais frias, uma garoa persistente e uma frequente neblina seguida de uma brisa constante, para muitos inimaginável, sendo o ocorrido na região nordeste do Brasil.

A CRISE CHEGOU - Muitos fazendeiros entraram em decadência com a morte dos proprietários produtores de café das pequenas terras, o desinteresse ou impossibilidade dos herdeiros em mantê-las produzindo foi um dos fatores determinantes para a derrocada do setor na região. Muitos herdeiros preferiram sair da zona rural, indo morar em cidades como Fortaleza.

OS EFEITOS DA CRISE - O Sr. Manoel José D’Oliveira também foi atingido pela crise. Um homem honesto e honrado além de comerciante extremamente correto, D’Oliveira passou cerca de dois anos comprando suas próprias moedas de quantos as possuíssem. Amenizando os prejuízos e honrando sua palavra perante aqueles com quem fizera negócios.  Após juntar o máximo de moedas que pôde, D’Oliveira encontrava-se falido, sem qualquer poder aquisitivo, desolado com sua falência, D’Oliveira juntou todas as moedas de seu já falido projeto monetário e deu-as ao Coronel Aprígio Alves Barreira Cravo, proprietário do Sítio Pau d’Alho, em Pacoti, homem muito influente no cenário nacional, tendo como amigos pessoas como o Conde D’Eu. D’Oliveira já amargava a falência da maioria de seus negócios, quando, em um ato de desespero, ele pôs fim à sua própria vida, fincando um punhal num portal e jogando seu corpo contra o mesmo.

O DESTINO DAS MOEDAS - Quanto às moedas, elas passaram por várias mãos. O Coronel Aprígio vendeu o Sítio Pau d’Alho, ao Coronel José Marinho de Goes, este recebeu as moedas juntamente com o Sítio, logo após as moedas foram dadas ao Coronel Zeca Sampaio, do Sítio São Luis. Desde 1920 essas moedas permanecem entre os descendentes do Coronel Zeca Sampaio: Luís Cícero Sampaio (filho); depois, Onofre Medeiros Sampaio (neto) e atualmente, com o Sr. Francisco Luís Oliveira Nepomuceno (bisneto). Até 1980, elas continuaram a circular exclusivamente no Sítio São Luís, não como moedas, mas apenas como “fichas”, para coletoras de café. A cada balaio de café apanhado a pessoa recebia uma, e, no final do dia, contavam-se os balaios, pelo número de moedas que cada uma detinha, assim, era feito o pagamento.

Como vemos, estas moedas são parte importante da história. Mesmo após encerrarem o seu ciclo produtivo, elas têm hoje, um relevante valor numismático e histórico, contribuindo para progresso de toda a região. Hoje estas moedas possuem lugar garantido em museus e acervos particulares de numismatas em todo o Brasil.

O Sítio São Luis, o último refugio destas moedas, continua ativo. Pertence à Sra. Cláudia M. Mattos Brito de Goes. A produção de café na região foi drasticamente diminuída entre as décadas 1980 e 1990, mas em 2015, com a criação da Rota Verde do Café da Serra de Baturité, o Sítio voltou a atuar no ramo.

AS MOEDAS - Moedas particulares no Brasil não são tão comuns e devem ser tratadas como material escasso dentro da numismática. Kurt Prober, relatou em seu Catálogo de Moedas Brasileiras, somente duas ocorrências em sua época. Uma delas pertenceu a Companhia Inhomerim, de Nicteroy (RJ), sem data, mas com valor facial de 120 réis, a segunda são as moedas tema desta postagem. As moedas da Fazenda Bom Sucesso de Baturité - CE, datadas de 1895.
Referência dos Valores:
Um Alqueire (=36,27 litros)
Uma Terça (=12,8 litros)
Uma Quarta (=9,7 litros)

*As medidas correspondem à quantidade de café colhida, a qual era paga em réis, moeda que vigorou no Brasil até 1942, quando foi substituída pelo cruzeiro.

UM ALQUEIRE - 1895



UMA QUARTA - 1895



UMA TERÇA - 1895


Não devemos confundir Moedas Particulares com Carimbos Particulares, estes são numerosos, sempre carimbados sobre moedas de circulação Kurt Prober catalogou e registrou 279 carimbos particulares em seu *Catálogo das Moedas Brasileiras em sua segunda edição.

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Referências:
PROBER.K - Catálogo das Moedas Brasileiras, 2ª ed.1966, São Paulo, pg. 132-137
OLIVEIRA. H - Frei Hermínio Bezerra de Oliveira, As Moedas da Fazenda Bom Sucesso


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