100 Réis 1876 - Furada |
Se você percebeu a pergunta feita no título desta postagem, certamente saberá que na numismática poucos se comprometem a bater o martelo e responder esta pergunta. Hoje vou bater esse martelo e chamar a responsabilidade. Primeiro temos que contextualizar! Separei alguns momentos da história em que as moedas com furo são mencionadas, sejam furos originais de cunhagem ou produzidos pelo homem posteriormente ao processo natural de cunhagem, mas todas com o mesmo propósito. Era sem dúvida uma tecnologia concebida para o transporte de valores.
Sabemos que a invenção da
moeda na China partiu da imitação, em bronze fundido em moldes, de objetos
utilitários como pás e facas, mas também de “cauris” ou conchas. Após a decisão
tomada no Reino de Zhou, no final do séc. VII a.C., de produzir imitações de
pás e outras ferramentas, com peso padronizado para circular como moeda, vários
estados emitiram moedas naqueles formatos do séc. VI ao séc. III a.C. A partir
do final do séc. III a.C., a opção por moedas redondas com um furo no centro
prevaleceu, com os chamados “Ban-liang”, seguidos, em 118 a.C., pelos Wu-zhu
,ambos com dois caracteres. Estima-se que pelo menos 28 bilhões de Wu-Zhu
circularam de alguma forma.
1 Cash Dinastia Gh'ing 1662-1722
O Anam (Vietnã de hoje)
fez parte do Império Chinês do séc. I d.C. até 939, quando se tornou
independente. Nessa região e no sudoeste da China, mesmo depois da emissão
regular de moedas de bronze mais ao norte, conchas continuaram a circular como
moeda durante séculos. No período conturbado da usurpação de Wang Mang no
início do séc. I d.C., cereais e seda também foram aceitos como forma de
pagamento. Do séc. VII até o início do séc. XX, foram emitidos Sapeques ou
“cash”, com um furo no centro, e seus múltiplos, sempre fundidos em moldes,
inicialmente em bronze e no período final também em latão ou em cobre. O “cash”
do reino Qian Long (Ch’ien Lung), do imperador Gao Zong (1736-1795), foi
provavelmente a moeda do mundo emitida em maiores quantidades antes do século
XX, em muitos bilhões de exemplares.
O Japão, o Anam (Vietnã
atual) e a Coréia começaram a ter moedas próprias em 708, 970 e 996
respectivamente, e adotaram durante séculos o modelo chinês de moedas fundidas,
com furo no centro. No Japão, entre o séc. X e o séc. XVI, não foram emitidas
oficialmente moedas, recorrendo-se à importação de moedas chinesas de bronze
para a circulação corrente. A partir do final do séc. XVI, foram retomadas as
emissões de bronze e produzidas peças em metais preciosos, como os “mameitagin”
(círculos de prata com motivos estampados) e os Kobans (placas de ouro com
assinaturas a tinta). Por volta de 1800, os Xoguns recorreram a moedas fundidas
de latão ou ferro, e reduziram o tamanho e a qualidade das moedas oficiais de
ouro. Depois foram emitidas peças retangulares de prata de diversos valores.
Podemos concluir que na Ásia
as moedas furadas eram moldadas desta forma para facilitar o transporte de
valores por todo o domínio chinês. Mas no restante do mundo acontecia algo bem
diferente. Alguns povos e sociedades furavam as moedas de maneira rudimentar,
quando estas não possuíam furos. Os furos foram percebidos de forma artesanal entre
os romanos, por uma razão de crendice, de proteção contra o mal. Objetos como moedas
e conchas eram tidos como verdadeiros "amuletos". Estes eram
pendurados no pescoço por tiras de couro. Mais uma vez podemos confirmar os furos
em moedas como tecnologia e até mesmo crendice.
Claro que existem furos
que são feitos para denegrir ou deturpar a figura estampada na peça, esses
furos entram para a categoria das "alegorias políticas" de uma época,
tais como os que furavam Napoleão III após perder uma guerra contra a Prússia.
No Brasil podemos citar
os açorianos, povoadores do Rio Grande do Sul, pregavam uma moeda no cabo da
enxada para uma colheita mais produtiva. No Sertão de Pernambuco os sertanejos
penduravam moedas no pescoço de suas crianças para evitar doenças.
Depois de algum tempo
pude perceber que existem quatro tipos de motivos para furos:
Religioso: feitos para uso pessoal por motivo de crendices.
Possui relevância histórica
Deturpador: feitos para denegrir a imagem de alguma
autoridade. Com relevância histórica em moedas comprovadamente circuladas em períodos
de guerra.
Vandalismo: Muito comum nos tempos atuais e sem
qualquer relevância histórica.
Funcionais: feitos para guardar moedas ou
transportá-las
Vale lembrar que todos os
tipos de furos precisam ser pesquisados, identificados e possivelmente
respeitado diante do contexto em que foi gerado.
Em todas as moedas que
tenho visto nos últimos tempos, os furos, aparecem em maior quantidade nas
moedas de cobre, chumbo, latão e também em prata , especialmente , usadas pelas
classes mais baixa (servos), as classes protegidas usavam moedas de ouro
envolvidas em argolas igualmente de ouro, que os ourives confeccionavam para os
mais abastados. Em moedas de ouro vou confessar que ainda não vi furos, noto na
maioria das moedas de prata e ouro, sinais de solda pela colocação de pequenas
argolas para transformar as moedas em pingentes usados como adorno como citei
anteriormente. Pode até parecer um pouco rude minha afirmação, mas os furos de
cunho supersticioso e que entra na categoria “religioso” nos oferecem um
panorama do habito de uma parcela da sociedade. Como não pude ver moedas de
ouro furadas (pode ser que exista) só me resta concluir que a classe econômica de
uma determinada parcela da sociedade ditava este costume, pois a miséria sempre
estava à porta dos mais humildes e com recursos limitados, fazendo com que as
crendices fossem bem mais utilizadas do que nas classes mais altas e abastadas da
sociedade nesta época.
Reprodução de como eram utilizadas as moedas furadas em crendices. |
Possuo em meu acervo algumas moedas furadas, apesar de muitos colocarem estas peças na seara da desvalorização numismática, alegando a perda de valor. Eu possuo uma visão mais histórica e investigativa de costumes de uma determinada época e não me deixo levar por opiniões comerciais. Talvez passem mais 100 anos sem que os numismatas possam reconhecer que é salutar e importantíssimo o estudo destas peças. As moedas furadas nos levam a pessoalidade de agentes da história que falam conosco por meio destes furos. Estes agentes da história nos transmitem a mensagem de seu precário modo de vida e sua esperança e a virtude em sonhar com dias melhores, nos mostrando seu estado real de penúria financeira e nos levando a enxergar muito além.
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