As moedas e suas histórias

Há séculos a numismática desperta paixões. Por aqui circularam e cunharam-se algumas das mais belas e valiosas moedas do mundo. E também moedas sem valor algum. Estes pequenos pedaços de metal que passaram pelas mãos de gerações revelam extravagâncias de tempos passados, pequenas curiosidades e histórias de reis, políticos e revolucionários.





Moedas que Cabral trouxe vailam até na Dinamarca
A esquadra liderada por Pedro Álvares Cabral chegou a Porto Seguro trazendo em seus cofres moedas conhecidas como “O Português”. Era a maior moeda de ouro cunhada em todo o mundo ocidental. Com 35,5 gramas, a peça exaltava Dom Manuel 1º (1495-1521), rei da nação mais poderosa da Era das Navegações. Países como Dinamarca, Holanda e Polônia cunharam moedas conhecidas como “portugalóides”, à semelhança das originais, facilitando o comércio entre a região ibérica e o norte da Europa. A moeda trazia em seu reverso a inscrição latina In hoc signo vinces (sob este signo vencerás), que perdurou na numária luso-brasileira até a Proclamação da República, em 1889.


Nossas primeiras moedas são holandesas
Cercados por tropas luso-brasileiras em Recife, os holandeses foram os responsáveis pelas primeiras moedas produzidas no Brasil. Conhecidas como obsidionais (ou de emergência), foram fabricadas de forma rústica em 1645 e 1646, com ouro trazido de Guiné, para pagar fornecedores e soldados mercenários. Os florins (ou ducados) brasileiros pesavam de 20 a 30% menos que as moedas holandesas. Na volta a seu país de origem, os soldados trocavam as moedas brasileiras pelos florins originais. Boa parte dos raros exemplares existentes hoje foi encontrada em escombros de navios holandeses do século 17.

Portugal ainda nos chamava pelo nome antigo
Datado de 1695, o ensaio monetário Terra Santa Crvsis é a única ocasião em que o nome primitivo do Brasil aparece cunhado em uma moeda. A inscrição sugere que a denominação continuou a ser usada por muitas décadas em Portugal. Supõe-se que as provas de cunho tenham sido feitas na Casa da Moeda de Lisboa. São conhecidos hoje apenas dois exemplares da moeda, que tem valor facial de 640 réis (ou 2 patacas). Um deles está exposto no Museu Herculano Pires, em São Paulo; o outro faz parte da coleção do Banco de Portugal, em Lisboa.


As moedas de maior valor já circularam no mundo
Entre 1724 e 1727, auge da exploração do ouro em Minas Gerais, cunharam-se no Brasil os dobrões, moedas de maior valor intrínseco que já circularam no mundo. Com 55 gramas de ouro e valor facial de 20 mil réis, elas valiam legalmente 24 mil réis. Um dobrão podia comprar 190 litros de azeite, 9.600 ovos ou 12 bois. Quatro dobrões eram suficientes para adquirir uma escrava jovem. Com a produção de ouro em franca expansão, o governo português instalou em Vila Rica a Casa da Moeda de Minas Gerais, que, além de cunhar moedas, fundia e legalizava as barras de ouro que circulavam.



Peça comemorativa da coroação desagradou Pedro 1º
A moeda mais preciosa da nossa numismática - um exemplar pode valer quase meio milhão de reais - é o resultado de uma série de trapalhadas e mal-entendidos. Em 1821, Dom João 6º partiu com a corte de volta a Portugal. Levou com ele baús repletos de ouro retirado das casas de cunhagem do Brasil. Em 7 de setembro do ano seguinte, Pedro 1º proclamou a Independência do País. Para a cerimônia de coroação do novo imperador, a Casa da Moeda do Rio de Janeiro produziu peças comemorativas com o pouquíssimo ouro que restara. Foi possível cunhar apenas 64 exemplares da moeda, conhecida como Peça da Coroação.

Como o prazo era exíguo, Pedro 1º não teve tempo de aprovar as moedas. Só as recebeu na própria cerimônia. E não gostou nem um pouco do que viu: sua imagem no anverso da moeda foi retratada pelo artista Zeferino Ferrez à semelhança dos imperadores romanos, com o busto nu e uma coroa de louros. Para Pedro 1º, a imagem passava a ideia de um déspota, oposta à que ele desejava. Como se não fosse o bastante, o cunhador do reverso da moeda, Thomé Joaquim da Silva Veiga, também tomou “liberdades artísticas” ao incluir a frase In hoc signo vinces dentro do brasão imperial. Hoje existem apenas 15 exemplares da Peça da Coroação original, em acervos de museus e de colecionadores.


 
Assinatura irritou governo do imperador menino
Em 1831, Pedro 1º abdicou da Coroa brasileira e partiu para Portugal. Como sabemos, deixou Pedro 2º, então com 5 anos, em seu lugar. Até 1840 o País foi governado por uma Regência. Mas já em 1832 foram cunhadas moedas de ouro com a efígie do imperador menino. Na primeira emissão da moeda, o cunhador Carlos Custódio de Azevedo gravou seu próprio nome logo abaixo da imagem de Pedro 2º. O detalhe, que não havia sido consentido pelo Governo, foi eliminado nas emissões seguintes.



Médici ao lado de Pedro 1º
No Centenário da Independência do Brasil, em 1922, a Casa da Moeda do Brasil emitiu moedas de prata e de bronze-alumínio para celebrar a data. As peças exibiam os perfis sobrepostos de Pedro 1º e do então presidente, Epitácio Pessoa. No Sesquicentenário, em 1972, o governo militar também quis tirar uma casquinha do prestígio do patrono da Independência. Lançou moedas comemorativas com Emílio Garrastazu Médici lado a lado com o imperador.


Pagou humilhação com a mesma moeda
Julho de 2001. O vendedor de peças de automóvel José Luís Pereira da Silva foi até um banco em São Paulo descontar um cheque de 4 mil reais que havia recebido do tio. Caixa e gerente disseram que a assinatura não conferia. Chamou o dono do cheque até o banco e só assim conseguiu o dinheiro. Sujo de pó e graxa, sentiu-se discriminado.

Seis meses depois, José Luís resolve voltar à agência para depositar 4.279,96 reais. Em moedas. Carrega 16 caixas de uva que pesam, ao todo, mais de 130 quilos. Consternados, os funcionários pediram que esperasse. Três horas e meia depois, veio a informação: resolução do Banco Central impedia depósitos individuais acima de 191 reais em moedas.

O vendedor não se deu por vencido. Passado um mês, retorna ao banco. Agora, vem acompanhado de 34 amigos, cada um com um saco de moedas com valor inferior aos tais 191 reais. Não houve jeito: todos os funcionários do banco - até o gerente - tiveram de se mobilizar para contar as moedas. Perguntado se não pensava em mover ação por danos morais, José Luís respondeu que o objetivo não era tirar dinheiro da instituição, “mas evitar que outros brasileiros passem pelo mesmo constrangimento”.


As moedas contam a História do Brasil, de Alfredo O. G. Gallas e Fernanda Disperati Gallas (Magma Cultural, 2007).
Livro das moedas do Brasil, de Claudio Amato, Irlei Neves e Julio Schütz
(Stampato, 2004).


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