A boa nova correu com a rapidez que merecia: num território do Império português foi encontrado ouro, e em abundância! Estava dada a largada para a exploração da riqueza natural, e era preciso garantir que ela revertesse no maior benefício possível para a Coroa.
As remessas de ouro para Lisboa contaram com frotas em comboio até 1765. Uma vez extinto este regime de navegação, abriram-se duas possibilidade de transporte: ou em fragatas especialmente armadas para isso ou a bordo de navios mercantes, mediante a declaração de ouro embarcado. Passaram então a sair do porto de Lisboa para o Rio de Janeiro duas fragatas de guerra por ano, uma em abril e outra em outubro. A primeira ficava um mês no Rio, seguindo depois para a Bahia, onde permanecia por quinze dias. A segunda fragata demorava-se um mês no Rio, regressando diretamente a Lisboa. Deste modo seguiram os envios pertencentes à Fazenda Real. Quanto às remessas de agentes privados, os navios mercantes poderiam navegar com a escolta daquelas fragatas armadas.
Fiscalizar bem a entrada de ouro era tão importante quanto registrar os pormenores de sua produção na Colônia e de seu transporte até Portugal. Por lei de 2 de fevereiro de 1720, o registro de chegada de remessas ao Reino serviu de informação para o pagamento de um novo tributo, designado por “1% do ouro do Brasil”. Consistia, precisamente, na aplicação dessa porcentagem sobre o total do valor do ouro transportado, e era cobrado no ato de recepção e entrega das remessas na Casa da Moeda de Lisboa. Para garantir mais eficiência à operação, assim que o imposto foi criado a Casa da Moeda deslocou-se para as proximidades das margens do Tejo, instalando-se no edifício da extinta Junta do Comércio do Brasil.
Os Livros de Manifestos do 1% do Ouro do Brasil estão preservados até hoje no Arquivo Histórico da Casa da Moeda de Lisboa. Eles são muito mais do que sínteses dos registros da carga recebida. Permitem não só apurar as quantidades enviadas e respectivas formas (barra, pó, moeda, obra), como também identificar quem fez o envio (emissor) e para quem o fez (destinatário ou seu procurador).
As moedas transportadas nos cofres que vinham nas naus capitânias das frotas ou, depois de 1765, nas fragatas de guerra e em navios mercantes, apresentavam os cunhos B de Bahia, M de Minas ou R de Rio de Janeiro, indicando os locais de transformação do metal precioso em moeda. Uma nova etapa na história das relações monetárias entre Portugal e o Brasil iniciou-se quando, em 1702, a Casa da Moeda do Rio de Janeiro reabriu não para emitir moeda provincial, mas para cunhar moedas portuguesas, destinadas a circular no Reino. Esta determinação estendeu-se, alguns anos mais tarde, à Bahia (1714) e a Vila Rica (1725). O objetivo da Coroa portuguesa com esta medida era evitar os descaminhos do ouro, controlando possíveis e previsíveis fugas do precioso metal, para além das Casas de Fundição onde o quinto – taxa de 20% devida ao rei – era cobrado.
“Muitas pessoas da Bahia ou daquele distrito trazem ou mandam gados para se venderem nas minas, de que se pode seguir os descaminhos dos meus quintos, porque como o que se vende é a troco de ouro em pó, toda aquela quantia se há de desencaminhar (…) é preciso que neste particular haja toda a cautela”, adverte o Regimento do Superintendente, Guarda-mor e mais oficiais das Minas do Ouro de São Paulo, datado de 1702.
As Casas da Moeda na Colônia complementavam a emissão monetária feita no Reino. Mais do que isso: as moedas cunhadas no Brasil logo passavam a circular pelo comércio particular, e assim chegavam à Europa. Entre 1720 e 1807, 77,5% do ouro que chegou a Porgual foi enviado para particulares, quase sempre na forma de moeda. Os 22,5% restantes foram recebidos pelo Estado, a maior parte em pó e em barra.
É sabido que a circulação de moedas portuguesas de ouro ultrapassou as fronteiras do Império. Sua qualidade tornou fácil a aceitação em outras regiões européias. Na década de 1730, era portuguesa – e feita no Brasil – a maioria das moedas de ouro encontradas na Irlanda e em outras regiões da Grã-Bretanha.
O papel assumido pelo ouro brasileiro no atraso da economia portuguesa frente às outras economias européias, em particular a britânica, constituiu a chamada “Tese da Dependência”. Segundo ela, o metal brasileiro contribuiu sobretudo para o desenvolvimento britânico, pois era continuamente drenado para o pagamento de saldos comerciais luso-britânicos, sempre deficitários. Em suma, e de acordo com esta tese, Portugal não soube aproveitar os enormes fluxos de ouro que vinham da Colônia durante todo o século XVIII para desencadear alterações estruturais na sua economia. A opulência e o luxo da realeza são apontados como emblemas do gasto improdutivo. O Real Convento de Mafra, mandado construir por D. João V a partir de 1717, é o símbolo desta imagem de opulência vã da Corte.
Mas terá sido Portugal um mero ponto de passagem para o ouro brasileiro? Apesar da balança comercial deficitária, a Coroa não enviou a totalidade do ouro para destinos europeus. Os novos valores apurados sobre as remessas chegadas ao Reino a partir dos Livros de Manifestos, permitem concluir que os pagamentos externos para a Inglaterra terão absorvido cerca de 50% do total das remessas aportadas entre 1720 e 1797. Se a Inglaterra foi o principal parceiro comercial de Portugal até 1765, assiste-se a partir de então a uma diversificação dos espaços de comércio português. Deste modo, Espanha, França, Hamburgo, Rússia, Dinamarca, Suécia, Rússia e cidades do norte da Itália estavam entre as nações que participavam da balança comercial portuguesa, tendo a Inglaterra perdido o seu papel dominante. O cômputo de todos estes parceiros eleva para cerca de 81% a drenagem de ouro para o exterior.
Os restantes 19% devem ter permanecido no Reino. Mas deste ouro que circulou internamente, muito foi entesourado nos cofres de particulares – outro sinal de poucas oportunidades de investimento interno.
A explosão aurífera da primeira metade do século XVIII trouxe óbvios benefícios para a metrópole, especialmente no comércio. A crescente procura de bens na Colônia implicava necessariamente o recurso aos mercados do exterior. Isso abriu novas oportunidades em Portugal, onde uma vasta camada da população sem ligação anterior com a atividade mercantil pôde iniciar-se no mundo dos negócios. O período assistiu à emergência de um grupo ativo de pequenos comerciantes, muitos deles viajando entre Portugal e o Brasil ao ritmo das frotas, transportando mercadorias que vendiam nos portos brasileiros e regressando com o respectivo pagamento em ouro. Eram os chamados “comissários volantes”.
No início da segunda metade do século, os objetivos do primeiro-ministro marquês de Pombal incluíam a criação de uma elite mercantil nacional capaz de resistir ao domínio de capitais estrangeiros. E isso implicava erradicar justamente o pequeno comércio dos comissários volantes, com a justificativa de que eles colaboravam com o contrabando promovido por estrangeiros. Nas palavras de Pombal, os comissários volantes, “pessoas ignorantes do mesmo comércio e destituídas dos meios para o cultivarem”, eram uma estirpe para se eliminar porque, desenvolvendo uma prática que se entendia como “uma espécie de contrabando”, facilmente as casas de negócio estrangeiras radicadas no Reino os escolhiam como forma privilegiada de introdução das mercadorias na Colônia. A extinção daquele grupo foi determinada por alvará em 6 de dezembro de 1755.
Estariam eles, de fato, a serviço de estrangeiros? Mais uma vez, os Livros dos Manifestos do Ouro ajudam a elucidar a questão. Os registos do ouro embarcado, com a identificação de todos os participantes das remessas, permitem distinguir quem permanecia na Colônia, quem estava em Portugal e quem viajava entre as duas margens do Atlântico, e assim avaliar as formas de agência usadas, a importância dos comissários volantes e suas redes de relações. Em uma amostra composta de todos os registos dos anos de 1721, 1731, 1741, 1751 e 1761, analisou-se cerca de 16 mil remessas envolvendo quase 12 mil indivíduos, entre emissores e receptores.
Concluiu-se que de 20% a 24% dos comissários volantes estiveram em todas as frotas consideradas, e por suas mãos chegaram a Lisboa de 60% a 68% do ouro anualmente transportado. É, pois, inegável a importância desses viajantes. No entanto, ao contrário do que sustentava o discurso pombalino, tais negociantes “de ida e retorno” nem sempre eram gente “de baixa estirpe” e reduzido capital. Encontram-se entre eles, que faziam da mobilidade um expediente habitual na gestão do negócio, bons exemplos de indivíduos com elevado capital. E se tomarmos os dados do ano de 1751 como um retrato expressivo da realidade que Pombal visou desmontar, vemos que, nas frotas daquele ano, 523 indivíduos fizeram a viagem entre a Colônia e o Reino, mas apenas 12 deles trouxeram remessas de ouro destinadas a negociantes estrangeiros residentes em Lisboa. O principal responsável pelo envio do ouro brasileiro para o exterior não eram, portanto, esses negociantes.
Seja como for, o fato é que as moedas tropicais viajavam para muito além de Portugal.
LEONOR FREIRE COSTA, MARIA MANUELA ROCHA e RITA MARTINS DE SOUSA são professoras do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa (ISEG/UTL) e pesquisadoras do Gabinete de História Econômica e Social (GHES) do mesmo Instituto. Leonor Freire Costa é autora de O Transporte no Atlântico e a Companhia Geral do Comércio do Brasil (1580-1663), Lisboa: CNCDP, 2002. Maria Manuela Rocha e Rita Martins Sousa são autoras de “Moeda e Crédito” (Álvaro Ferreira da Silva e Pedro Lains, org.), in História Económica de Portugal, século XVIII, Lisboa: ICS, 2005. Rita Martins de Sousa é autora de Moeda e Metais Preciosos no Portugal Setecentista (1688-1797), Lisboa: IN-CM, 2006.