O lugar da pataca como moeda oficial de Macau não suscita hoje quaisquer interrogações, mas nem sempre foi assim. A criação de um sistema monetário estável foi um processo atribulado, mesmo depois de a pataca ter entrado em circulação em 1906, com o estatuto oficial de única moeda legal no território
No final do século XIX, a economia de Macau funcionava com base no valor da prata – não necessariamente em moedas, mas em barra, a peso para as transações mais importantes – e na circulação de uma variedade de moedas locais e regionais tendo como referência sempre o equivalente em prata.
Entre essas moedas que faziam funcionar a economia quotidiana da cidade, e que geravam alguma confusão devido à diversidade de denominações e de valores, estavam os dólares de Hong Kong; os certificados de pagamento das possessões britânicas da região do estreito de Malaca, que viriam a transformar-se nos dólares de Singapura; uma variedade de moedas correntes da Província de Guangdong; e uma moeda de prata de oito reais cunhada pelo império espanhol – a famosa “peça de oito”, imortalizada nas histórias de piratas por fazer parte da carga de muitos galeões que atravessavam o Oceano Atlântico. A utilização da “peça de oito” era generalizada por todo o Extremo Oriente e era conhecida pelos portugueses como a “pataca mexicana”.
Foi desta “pataca mexicana” que derivou o nome da que viria a ser a moeda oficial de Macau. Mas a designação pataca já era comum desde o final século XVII para identificar as moedas de outras possessões ultramarinas portuguesas. No Brasil, por exemplo, a pataca foi uma moeda de prata em várias denominações que circulou entre 1695 a 1834, inicialmente cunhada em Portugal e enviada para a colônia sul-americana, mas que passou depois a ser cunhada no Brasil, nas casas da moeda de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em Timor (hoje Timor-Leste), a pataca foi a moeda da colônia portuguesa entre 1894 e 1959, excepto no período compreendido entre 1942 e 1945, durante a ocupação japonesa na Segunda Guerra Mundial.
Em 1901, o governo de Portugal, numa tentativa de estabelecer um ordenamento do sistema monetário de Macau, decidiu criar uma moeda própria para o território e atribuiu ao Banco Nacional Ultramarino (BNU) – que hoje faz parte do banco público Caixa Geral de Depósitos e apenas em Macau mantém a designação original – direitos exclusivos para fazer emissões de papel-moeda com a designação oficial de “patacas”.
Com a atribuição da competência de banco emissor para Macau, o BNU – criado em 1864 como banco emissor para as colônias portuguesas da época – abriu portas em 1902 na Avenida Almeida Ribeiro, na época a principal artéria da cidade, depois de já ter instalado filiais em Angola e Cabo Verde, em 1865; em São Tomé e Príncipe e na Índia, em 1868, e Moçambique, em 1877. Depois de Macau, o BNU abriu ainda dependências na Guiné em 1903, e em Timor em 1912.
Depois da abertura de agências nas então colônias portuguesas em África e no Oriente, o BNU deu início, a partir de 1917, à criação de uma rede de dependências no Continente, Madeira e Açores. As primeiras notas emitidas pelo BNU de Macau – com as denominações de uma, cinco, dez, 20, 25, 50 e 100 patacas – foram colocadas em circulação em 27 de Janeiro de 1906 e a nova moeda declarada a única de circulação legal em Macau, com o câmbio oficial de uma pataca igual 450 réis (unidade de moeda da monarquia portuguesa).
As notas desta primeira emissão – que ficou conhecida nos arquivos do BNU como a “emissão Antiga-Simples” – foram impressas em Londres, na casa Barclay & Fry, Ltd., e apresentavam as assinaturas impressas do Governador e Vice-Governador do BNU e a assinatura manuscrita do gerente da filial de Macau da agência. O papel utilizado era de fraca qualidade e só as notas de 100 patacas apresentavam marca de água.
Colocar em letra de lei o estatuto da pataca como única moeda legal em Macau e fazer uma emissão de notas revelou-se longe de ser suficiente para mudar o sistema monetário local e fazer a nova moeda ser aceite nas lojas, fábricas, armazéns, botequins, casas de câmbio e nas ruas da cidade. Não seria fácil convencer a população a abandonar os velhos hábitos monetários e a adotar o dinheiro em papel. As novas notas levantaram todo o tipo de suspeitas e eram rapidamente trocadas por moedas de prata a um câmbio bastante desvalorizado.
As transações do dia-a-dia acabavam por se processarem como sempre: com a variedade de moedas tradicionais a manter-se em circulação, apesar dos decretos oficiais. A nova moeda era utilizada apenas para pagamentos de taxas oficiais, impostos e despesas, como facturas de eletricidade.
Num relatório de 1914, o gerente do BNU em Macau dava conta das dificuldades da pataca para se afirmar como moeda de utilização geral, ao referir que os próprios funcionários públicos se apressavam a trocar para moedas de prata os salários pagos em patacas. Além das moedas de prata, a recém-criada pataca enfrentou também, durante as suas primeiras décadas de existência, a concorrência dos certificados de depósito tradicionais chineses – os pangtan – denominados em moedas de prata, emitidos por bancos privados e cambistas locais contra a entrega de prata e que eram aceites como notas, transferíveis e convertíveis no valor correspondente em prata. Os pangtan mantiveram-se em circulação como moeda de facto até 1944, quando foram proibidos e quando a legislação local proibiu também a circulação de quaisquer outras moedas para além da pataca.
Certificados para os tempos de guerra
Um dos episódios mais invulgares da história monetária de Macau – uma emissão local de “certificados” para substituírem as notas habituais – resultou das circunstâncias excepcionais em que o território viveu durante a Segunda Guerra Mundial e a ocupação japonesa da China e de grande parte da Ásia.
A neutralidade de Portugal na guerra resultou em que Macau escapasse a uma ocupação japonesa efetiva – apesar de o comandante da guarnição japonesa que ocupava uma ilha chinesa vizinha se ter instalado na região – mas deixou a cidade praticamente isolada, transformando-a num ponto de neutralidade numa Ásia ocupada e em guerra.
Os efeitos da invasão japonesa na China, que se iniciou em 1931 na Manchúria, começaram a sentir-se em Macau em 1937, com um grande afluxo de refugiados e ao mesmo tempo uma progressiva quebra de circulação de divisas estrangeiras, que o governo local recolhia e utilizava para pagamento de importações. A guerra impossibilitava também o envio para o território de emissões de papel-moeda a partir de Portugal. Uma dessas remessas de notas de patacas ficou retida em Moçambique e só viria a ser colocada em circulação em Macau em Novembro de 1945, meses depois do fim da guerra.
Face à situação, os responsáveis da época decretaram a constituição de uma reserva, ordenando às tesourarias oficiais que guardassem toda a prata e todas as divisas estrangeiras que entrassem nos cofres oficiais. Em 1944, após repetidos pedidos do governador de Macau, Gabriel Maurício Teixeira, o então Ministério das Colônias português autorizou a filial de Macau do BNU a emitir “certificados” como “moeda privativa da Colônia, do valor nominal a estabelecer pelo governador de Macau”.
Os certificados foram à partida definidos como uma solução provisória, ficando estipulado que sairiam de circulação logo que o restabelecimento de comunicações voltasse a tornar possível o abastecimento do território com notas.
A “moeda privativa” foi impressa em papel de fabrico local. Na impossibilidade de serem produzidas as chapas metálicas utilizadas para a impressão das emissões normais de papel-moeda, eram usados dois blocos de calcário com cerca de 35 quilos cada um, numa espécie de pedra litográfica. Essa emissão de moeda obrigou a medidas de segurança excepcionais para evitar fraudes e falsificações, o que acabou por se converter numa prova de resistência física para os responsáveis da época.
A estipulação oficial foi de que os certificados teriam de apresentar a assinatura manuscrita e original do diretor dos Serviços de Finanças e do gerente da filial do BNU, Carlos Eugénio de Vasconcelos, que num relatório para a sede em Lisboa referiu que durante meses teve de assinar uma média de entre 1500 e 2000 certificados por dia e que houve dias em que o número de assinaturas, com caneta de aparo, chegou a 5000.
As medidas excepcionais de segurança aplicaram-se também aos trabalhadores da empresa de litografia, que passaram a comer e a dormir no local de trabalho sob vigilância de soldados destacados pelo governo enquanto decorria a impressão dos certificados. Durante as pausas nos trabalhos de impressão, as pedras litográficas eram fechadas numa sala guardada por um militar português.
Apesar de todos os cuidados, rapidamente surgiram em circulação em Macau falsificações dos certificados. A maioria dessas falsificações era grosseira e facilmente identificável, mas outras foram descobertas apenas porque não continham inscrições invisíveis a olho nu que foram incluídas nos certificados genuínos. As inscrições de segurança foram o verso de Luís de Camões “por mares nunca antes navegados”, o dito popular tradicional da Póvoa de Varzim “vai com Deus” e a letra grega Ômega. Emitidos nas denominações de cinco, dez, 25, 50, 100 e 500 patacas, os certificados tinham a data de emissão de 5 de Fevereiro de 1944 e mantiveram-se em circulação até 1947.
Uma curiosidade da história da pataca é o facto de deixar de ter somente notas e passar a ter moedas apenas a partir de 1952, com a entrada em circulação de moedas de cinco, dez e 50 avos e de uma e cinco patacas, cunhadas em Lisboa na Casa da Moeda. A moeda de prata de cinco patacas cunhada nesse ano foi considerada pela Sociedade Internacional de Numismática como uma das grandes moedas históricas do mundo.
Dois emissores
A vida da pataca é indissociável do BNU, mas a partir de 1980 com a criação do Instituto Emissor de Macau, como entidade com o direito exclusivo da emissão de moeda em Macau, o BNU passou a ser banco agente do Governo de Macau e continuou a fazer emissões de notas. A partir de 16 de Outubro de 1995, mediante um acordo entre Portugal e a China, em preparação para a transferência da administração em 1999, a filial de Macau do Banco da China tornou-se o segundo banco emissor, enquanto a entidade oficial responsável pelas emissões passou a ser a Autoridade Monetária de Macau.
As notas atualmente em circulação em Macau têm as denominações de dez, 20, 50, 100, 500 e 1000 patacas, sendo a emissão mais recente feita pelo BNU datada de 2005 e pelo Banco da China de 2003.
Além das notas em circulação corrente, os dois bancos fizeram recentemente emissões comemorativas. Em 2008, o Banco da China emitiu quatro milhões de notas de 20 patacas para comemorar os Jogos Olímpicos de Pequim e em 2012 lançou notas de 100 patacas comemorativas do centenário do banco. Também em 2012, o BNU e o Banco da China lançaram ambos uma emissão de notas de dez patacas comemorativas do Ano do Dragão. Este ano, em comemorações do Ano da Cobra, ambos os bancos voltaram a lançar notas comemorativas.
Apesar de o estatuto da pataca como moeda oficial de Macau não ser posto em causa, o facto é que ainda hoje o dólar de Hong Kong é uma moeda de circulação generalizada, e em alguns casos – como por exemplo nos casinos – é preferencial, por ser uma moeda de circulação internacional estabelecida. Um decreto-lei de 1995 proíbe os comerciantes de Macau de recusarem pagamentos em patacas, mas nunca deixaram de ser frequentes casos em que a preferência pelo dólar de Hong Kong é explícita. Face à predominância de facto da moeda do território vizinho, os departamentos governamentais de Macau aceitam igualmente pagamentos em dólares de Hong Kong.
A pequena dimensão geográfica e populacional de Macau e a comparativa pequena envergadura internacional da sua economia acabam por tornar a pataca uma moeda essencialmente local, de difícil utilização e conversão cambial fora das fronteiras da região administrativa especial.
A pataca está cambialmente indexada ao dólar de Hong Kong (à taxa de cerca 103 patacas para 100 dólares de Hong Kong). Além do dólar de Hong Kong, a moeda da República Popular da China, o yuan, tem igualmente circulação generalizada em Macau.
A árvore das patacas
Para lá da existência oficial como moeda da RAEM, a pataca ainda marca presença na cultura popular de Portugal e do Brasil através da expressão “árvore das patacas”, para fazer menção de dinheiro fácil. Mas a árvore das patacas existe de facto. É o nome popular dado no Brasil à Dillenia indica, uma árvore originária da Índia que pode alcançar uma altura de 40 metros.
A associação da árvore ao dinheiro está, segundo o folclore brasileiro, ligada ao príncipe português D. Pedro, que declarou a independência do Brasil. A Dillenia indica, introduzida na América do Sul durante o reinado de D. João VI (1816-1826), responsável pela transferência da corte portuguesa para o Brasil, tem a particularidade de as pétalas se fecharem sobre o centro das flores para a formação do fruto, resultando que qualquer objecto colocado na flor da árvore acabe por ficar no interior do fruto.
A lenda da árvore das patacas reza que D. Pedro terá colocado patacas brasileiras no interior das flores e terá enviado depois os frutos para Portugal com a mensagem “nesta terra o dinheiro até nasce nas árvores”.
Lendas à parte e mesmo não nascendo nas árvores, em Macau a pataca, apesar das dificuldades iniciais de afirmação e da sua dimensão essencialmente local, acabou por se tornar uma peça importante do edifício institucional, da identidade própria e da autonomia de Macau, antes como território administrado por Portugal e hoje como região administrativa especial da República Popular da China.