Um conto de Roberto Rodrigues.
Tema: terror numismático.
No distante ano de 1895, vivia na Transilvânia uma figura sinistra, que
mantinha em seu castelo uma magnífica coleção de moedas de ouro e
prata, raras. Para montar tão fabuloso acervo, Conde Vlarninka matou e
mandou matar muita gente, apossando-se de suas moedas e as trancafiando
numa sala secreta na propriedade, situada numa colina, de onde podia ser
visto um bosque sombrio, cercando as imediações.
O tempo
passou, o castelo ficou abandonado, e a população evitava chegar perto,
pelas lendas sobre caçadores de tesouros que tentaram resgatar as moedas
e nunca voltaram.
Nada disso, porém, assustava um grupo de
numismatas, resolutos em achar a imensa fortuna. Eram cinco ricaços
americanos, detentores de magníficos dólares double eagle dos tempos do
Velho Oeste.
Planejavam acessar o castelo por uma rede de
cavernas, situadas ao pé da colina, por onde chegariam por passagens
secretas, que haviam conhecido por velhos mapas comprados de um
forasteiro romeno. O combinado era se manterem juntos.
Mas estranhas circunstâncias os afastaram.
Entre elas, a presença de cintilantes moedas de ouro pelos chãos das tenebrosas grutas.
Enquanto coletavam as peças, observaram as cunhagens: imagens de
insetos, répteis e aracnídeos. As inscrições eram em cirílico ou latim,
datando da Idade Média. Os numismatas enchiam as mochilas, se dar conta
da dispersão do grupo. O cheiro de podridão estava no ar; a escuridão
cada vez maior e a quantidade de teias de aranha também.
O
primeiro deles quis voltar, mas foi surpreendido por um desabamento numa
das saídas. Sem opção, seguiu até deparar com gigantesca tarântula,
furiosa pelo despertar de seu sono... O bicho tinha as características
de um dos desenhos numismáticos. Os gritos de pavor do numismata
aterrorizaram os outros. Foi devorado em segundos.
Entrementes,
outro numismata parecia ter mais sorte: avistou uma pesada porta de
madeira, emperrada há décadas. Uma pequena carga de explosivos resolveu o
problema. A porta foi lançada longe, e o colecionador entrou por um
corredor estreito. Enlouquecido de ganância, riu feito criança quando
viu, emoldurados em quadros, enormes patacões de prata, em estado de
conservação impecável.
Arrancou um com tanta violência, que
abriu uma pequena fenda, por onde medonhos olhos o espreitaram... Eram
os de uma enorme centopéia, que rapidamente derrubou a parede,
imobilizando e envolvendo o infeliz, ainda atordoado com a riqueza
efêmera, num abraço mortal...
Do outro lado das grutas, alheios
aos berros e mortes, dois colecionadores acharam uma passagem que os
levou ao calabouço. Lá, viram horrorizados esqueletos acorrentados de
banqueiros e comerciantes, ex-possuidores de fortunas em moedas,
sequestrados pelo dono do castelo. Um dos numismatas pegou do bolso das
vestes puídas de um prisioneiro curiosa moeda, com um rubi incrustado.
O outro colega de imediato lembrou ser ela única, lendária, pertencente
a um marajá indiano, e planejou tomá-la. Cego de ambição, golpeou o
amigo com uma velha garrafa que encontrou no chão, rachando-lhe o
crânio.
Ao tocar no rubi, ouviu um zumbido tão medonho que o
fez gelar o sangue: um horrível escaravelho com 2m de envergadura surgiu
de uma nuvem de fumaça e voou em sua direção, envolvendo-o em suas asas
e levando-o a outra dimensão, de onde jamais retornaria...
O
último dos numismatas, por fim, chegou ao interior da antiga
propriedade, ainda desolado com a morte dos colegas. Esqueceu tudo ao
ter uma visão magnífica: o salão principal reunia o sonho de todos os
colecionadores: mostruários com todo tipo de moedas, ouro, prata,
bronze, cobre, ferro...
Centenas de anos da História reunidos num
só lugar. Peças romanas, etruscas, macedônicas, dobrões coloniais
europeus... “É tudo meu”, pensou. “Os caras estão mortos. Vou recolher o
que puder!”
Encheu dois imensos sacos e os pôs às costas.
Avistou a saída. Já estava amanhecendo. Ficaria mais fácil sair. Mas de
um estalo surgiu-lhe outra ideia. “Ora, devem haver mais peças
raríssimas no castelo. O que vou achar de interessante lá em cima?”
Largou as sacas recheadas de denários, sestércios e dobrões na sala e
subiu as escadarias. Havia um imenso salão de jantar, estranhamente com
todos os pratos e talheres sobre a mesa. Na cabeceira, o observando e
dando uma risada macabra, a sinistra figura do velho conde psicopata,
dono de toda a coleção.
“Então pensas que és o conquistador
deste tesouro numismático. Foi fácil demais, não? Acho que podemos
deixar a coisa mais interessante”...
O americano sacou sua pistola
de cabo de madrepérola e descarregou as balas de prata em cima do conde.
Este, encolerizado, saltou da mesa e o agarrou pelo pescoço, levando-o
até a janela.
“Estás vendo aquele fosso, lá embaixo? Há muitas
moedas no fundo daquelas águas. Milhões delas, a raridade daquelas que
teus colegas numismatas têm mundo afora é por conta disso... E vai ser
lá o teu eterno desterro!”
Lançou o pobre infeliz ao espaço.
Seu mergulho no ar foi demorado, e o baque doloroso, com várias costelas
partidas com o impacto nas águas turvas... Enquanto submergia, pôde
observar o tênue brilho de milhares de moedas de ouro, cintilando. Sem
poder se mexer, viu pela fraca iluminação a aproximação de um réptil
abominável, ironicamente com uma carapaça de escamas em forma de moedas,
abrindo sua bocarra de dentes afiados...
Um ano depois, o
encontro de numismatas de Chicago lamentou profundamente a ausência de
cinco valorosos colecionadores. Na oportunidade, as famílias dos
desaparecidos venderam suas coleções...
(Personagens e situações fictícias. Qualquer semelhança com fatos numismáticos da vida real são mera coincidência!)