Beija-flores, tartarugas, garças, araras e micos. Da Amazônia
aos pampas, o brasileiro convive diariamente com os mesmos animais,
estampados nas notas de Real. O dinheiro faz parte da simbologia de um
país. Diferente de hinos e brasões, trata-se de elemento vivo da
identidade nacional. O topo que hoje é da garoupa, na nota de cem, já
foi de Pedro Álvares Cabral, Castello Branco e Juscelino Kubitschek –
tudo de acordo com os interesses da época.
Porém, nem sempre ilustrações e números impressos tiveram valor. Na Colônia e no começo do Império, só em casos extremos o papel foi usado como moeda. A população achou engraçado a administração de Minas Gerais emitir bilhetes de papel como pagamento, em 1771. Isso só acontecia se faltavam moedas de ouro e prata ao órgão real. Não fazia muito sentido o conceito de valor intrínseco para algo sem valor material – já parou para pensar que, valha um ou cem reais, tanto uma como a outra custam os mesmos centavos para serem feitas?
O papel-moeda só passou a ter importância significativa no final do Império e começo da República. Muitos bancos tinham autorização para emitir os mil-réis usados na época, ocasionando um sistema caótico e sem padronização.
Há quem considere que a história numismática brasileira genuína só comece em 1942. Foi quando instituímos o Cruzeiro, primeiro padrão monetário que não veio de Portugal – nos primeiros anos, a cédula mais alta era os Cr$ 1.000 de Pedro Álvares Cabral. O Banco Central passou a ser o único órgão responsável pela emissão de notas. Mas depois disso houve confusões de outra ordem. Na tentativa de conter uma inflação desenfreada, trocamos de moeda oito vezes ao longo de 35 anos. O Cruzeiro foi e voltou, intercalado com Cruzeiro Novo, Cruzado, Cruzado Novo e Cruzeiro Real.
Talvez seja justamente por conta de tanta bagunça que a história de nossas cédulas se constitua em um universo tão rico a explorar.
Quem não tem metal, cunha em nota
Com a mudança da Corte portuguesa para o Brasil, passou-se a gastar muito mais dinheiro. Resultado: os metais disponíveis para cunhar moedas não deram conta. A solução foram os Bilhetes do Banco do Brasil. Avôs das nossas notas, tinham valores preenchidos à mão por funcionários da Coroa.
De próprio punho
Na época do Império – e ainda no começo da República – funcionários da extinta Caixa de Amortização autografavam cada cédula de mil-réis à pena. Como depois as notas eram empilhadas, não raras vezes o reverso ficava manchado de tinta.
Importante, eu?
Lançar nota com a própria efígie era comum entre os representantes imperiais. Getúlio Vargas foi o único presidente a utilizar-se do recurso publicitário, durante o Estado Novo.
A nota com a figura de Getúlio foi a de menor valor facial que o Brasil já teve. Quando o padrão monetário mudou, em 1967, “diminuindo três zeros” dos valores, ela recebeu um carimbo que remarcava seus 10 cruzeiros para mísero 1 centavo de cruzeiro novo.
Vide o carimbo
O Cruzeiro Novo foi o único padrão monetário que não teve suas próprias cédulas. O nome da moeda deixou de existir antes mesmo da produção do papel-moeda. Nos três anos em que valeu, usavam-se as notas do antigo Cruzeiro reaproveitadas. Um carimbo marcava o novo valor, procedimento comum na transição de sistemas monetários em um País continental como o Brasil.
Fauna, sim. Bicho, não
A troca do Cruzeiro por Real, em 1994, foi inédita por não reaproveitar nenhuma cédula do padrão anterior. Como a Casa da Moeda teve pouco tempo para emitir a nova família, foram escolhidos os temas da fauna, mais simples. Com atenção a uma exigência: não usar nenhum animal do jogo do bicho. Uma votação popular elegeu, entre animais em extinção, figuras para cédulas de novos valores. A tartaruga-marinha ficou nos 2 reais, o mico-leão-dourado, nos 20.
Segurança: Ativar
As cédulas do Real são as mais “protegidas” que já tivemos. Além de terem nascido em tempos de tecnologia mais avançada, a preocupação com falsários cresceu. Afinal, com a moeda estabilizada, o interesse pela falsificação é maior.
Produto Nacional
A emblemática “nota do índio”, de 1961, foi a primeira experiência da Casa da Moeda brasileira em elaborar e produzir cédulas – até então, elas tinham diagramação e fabricação importadas. As figuras foram pensadas para representar brasilidade. A moldura foi inspirada na arte marajoara.
Arte por 1 cruzeiro
As notas de Cruzeiro que vigoraram a partir de 1970, totalmente brasileiras, revolucionaram a estética do dinheiro com seu desenho arrojado e moderno. Na década seguinte, ganharam característica única: efígie e números espalhados. À semelhança de cartas de baralho, não tinham “parte de cima” ou “parte de baixo”, o que facilitava o manuseio. A autoria era do artista gráfico Aloísio Magalhães, que considerava as cédulas um “trabalho pragmático de uso coletivo” ou, ainda, “os objetos de maior comunicação do País”.
Quantos barões?
“Venham gastar seus barões e seus florianos”, escreveu Drummond em uma crônica de 1979. Ele se referia às notas de mil e cem cruzeiros que estampavam as efígies do Barão do Rio Branco e de Floriano Peixoto. O termo “floriano” para dinheiro foi passageiro, mas “barão” acabou pegando – mesmo depois que a nota parou de circular.
Para bom entendedor, uma nota basta
A nota com a efígie de JK representa muito mais do que os cem mil cruzeiros descritos. A homenagem a Juscelino Kubitschek, inimigo histórico do regime militar, refletia a abertura política em 1984. No lugar de figuras institucionais, passaram a ser bem-vindas nas cédulas personalidades do campo das artes e da ciência. Desde então, deram as caras gente como Oswaldo Cruz, Villa-Lobos, Portinari e Cecília Meirelles. Na nota de 50 cruzados novos, em homenagem a Drummond, entram até versos de Canção Amiga (“Eu preparo uma canção / Que faça acordar os homens / E adormecer as crianças”), impensáveis antes da redemocratização.
Mensagens
Além de transmitir os valores nacionais vigentes, as cédulas de dinheiro carregam também mensagens informais – para desespero do Banco Central, que cuida da integridade das notas. Frases que as pessoas escrevem no dinheiro inspiraram a artista Jaq Lerner, que as reuniu no painel O Livro (Os cem), de 1987.
Protesto
Cildo Meirelles também percebeu que a circulação do dinheiro servia como meio de divulgação de informações. No auge dos anos de chumbo, o artista cunhou frases de protesto nas notas, em uma obra chamada Inserção em Circuitos Ideológicos, de 1970.
Palma, maracanã, pirapirê…
Já ouviu falar nessas moedas? Pois saiba que hoje mesmo elas circulam no Brasil. Diversas localidades possuem, além do real, dinheiro próprio. Bancos comunitários espalhados pelo País perceberam que criar um dinheiro aceito apenas pelo varejo local acaba sendo mais eficaz para girar a economia da comunidade. O Banco Palma, em Fortaleza, é referência mundial no assunto.
Porém, nem sempre ilustrações e números impressos tiveram valor. Na Colônia e no começo do Império, só em casos extremos o papel foi usado como moeda. A população achou engraçado a administração de Minas Gerais emitir bilhetes de papel como pagamento, em 1771. Isso só acontecia se faltavam moedas de ouro e prata ao órgão real. Não fazia muito sentido o conceito de valor intrínseco para algo sem valor material – já parou para pensar que, valha um ou cem reais, tanto uma como a outra custam os mesmos centavos para serem feitas?
O papel-moeda só passou a ter importância significativa no final do Império e começo da República. Muitos bancos tinham autorização para emitir os mil-réis usados na época, ocasionando um sistema caótico e sem padronização.
Há quem considere que a história numismática brasileira genuína só comece em 1942. Foi quando instituímos o Cruzeiro, primeiro padrão monetário que não veio de Portugal – nos primeiros anos, a cédula mais alta era os Cr$ 1.000 de Pedro Álvares Cabral. O Banco Central passou a ser o único órgão responsável pela emissão de notas. Mas depois disso houve confusões de outra ordem. Na tentativa de conter uma inflação desenfreada, trocamos de moeda oito vezes ao longo de 35 anos. O Cruzeiro foi e voltou, intercalado com Cruzeiro Novo, Cruzado, Cruzado Novo e Cruzeiro Real.
Talvez seja justamente por conta de tanta bagunça que a história de nossas cédulas se constitua em um universo tão rico a explorar.
Quem não tem metal, cunha em nota
Com a mudança da Corte portuguesa para o Brasil, passou-se a gastar muito mais dinheiro. Resultado: os metais disponíveis para cunhar moedas não deram conta. A solução foram os Bilhetes do Banco do Brasil. Avôs das nossas notas, tinham valores preenchidos à mão por funcionários da Coroa.
De próprio punho
Na época do Império – e ainda no começo da República – funcionários da extinta Caixa de Amortização autografavam cada cédula de mil-réis à pena. Como depois as notas eram empilhadas, não raras vezes o reverso ficava manchado de tinta.
Importante, eu?
Lançar nota com a própria efígie era comum entre os representantes imperiais. Getúlio Vargas foi o único presidente a utilizar-se do recurso publicitário, durante o Estado Novo.
A nota com a figura de Getúlio foi a de menor valor facial que o Brasil já teve. Quando o padrão monetário mudou, em 1967, “diminuindo três zeros” dos valores, ela recebeu um carimbo que remarcava seus 10 cruzeiros para mísero 1 centavo de cruzeiro novo.
Vide o carimbo
O Cruzeiro Novo foi o único padrão monetário que não teve suas próprias cédulas. O nome da moeda deixou de existir antes mesmo da produção do papel-moeda. Nos três anos em que valeu, usavam-se as notas do antigo Cruzeiro reaproveitadas. Um carimbo marcava o novo valor, procedimento comum na transição de sistemas monetários em um País continental como o Brasil.
Fauna, sim. Bicho, não
A troca do Cruzeiro por Real, em 1994, foi inédita por não reaproveitar nenhuma cédula do padrão anterior. Como a Casa da Moeda teve pouco tempo para emitir a nova família, foram escolhidos os temas da fauna, mais simples. Com atenção a uma exigência: não usar nenhum animal do jogo do bicho. Uma votação popular elegeu, entre animais em extinção, figuras para cédulas de novos valores. A tartaruga-marinha ficou nos 2 reais, o mico-leão-dourado, nos 20.
Segurança: Ativar
As cédulas do Real são as mais “protegidas” que já tivemos. Além de terem nascido em tempos de tecnologia mais avançada, a preocupação com falsários cresceu. Afinal, com a moeda estabilizada, o interesse pela falsificação é maior.
Produto Nacional
A emblemática “nota do índio”, de 1961, foi a primeira experiência da Casa da Moeda brasileira em elaborar e produzir cédulas – até então, elas tinham diagramação e fabricação importadas. As figuras foram pensadas para representar brasilidade. A moldura foi inspirada na arte marajoara.
Arte por 1 cruzeiro
As notas de Cruzeiro que vigoraram a partir de 1970, totalmente brasileiras, revolucionaram a estética do dinheiro com seu desenho arrojado e moderno. Na década seguinte, ganharam característica única: efígie e números espalhados. À semelhança de cartas de baralho, não tinham “parte de cima” ou “parte de baixo”, o que facilitava o manuseio. A autoria era do artista gráfico Aloísio Magalhães, que considerava as cédulas um “trabalho pragmático de uso coletivo” ou, ainda, “os objetos de maior comunicação do País”.
Quantos barões?
“Venham gastar seus barões e seus florianos”, escreveu Drummond em uma crônica de 1979. Ele se referia às notas de mil e cem cruzeiros que estampavam as efígies do Barão do Rio Branco e de Floriano Peixoto. O termo “floriano” para dinheiro foi passageiro, mas “barão” acabou pegando – mesmo depois que a nota parou de circular.
Para bom entendedor, uma nota basta
A nota com a efígie de JK representa muito mais do que os cem mil cruzeiros descritos. A homenagem a Juscelino Kubitschek, inimigo histórico do regime militar, refletia a abertura política em 1984. No lugar de figuras institucionais, passaram a ser bem-vindas nas cédulas personalidades do campo das artes e da ciência. Desde então, deram as caras gente como Oswaldo Cruz, Villa-Lobos, Portinari e Cecília Meirelles. Na nota de 50 cruzados novos, em homenagem a Drummond, entram até versos de Canção Amiga (“Eu preparo uma canção / Que faça acordar os homens / E adormecer as crianças”), impensáveis antes da redemocratização.
Mensagens
Além de transmitir os valores nacionais vigentes, as cédulas de dinheiro carregam também mensagens informais – para desespero do Banco Central, que cuida da integridade das notas. Frases que as pessoas escrevem no dinheiro inspiraram a artista Jaq Lerner, que as reuniu no painel O Livro (Os cem), de 1987.
Protesto
Cildo Meirelles também percebeu que a circulação do dinheiro servia como meio de divulgação de informações. No auge dos anos de chumbo, o artista cunhou frases de protesto nas notas, em uma obra chamada Inserção em Circuitos Ideológicos, de 1970.
Palma, maracanã, pirapirê…
Já ouviu falar nessas moedas? Pois saiba que hoje mesmo elas circulam no Brasil. Diversas localidades possuem, além do real, dinheiro próprio. Bancos comunitários espalhados pelo País perceberam que criar um dinheiro aceito apenas pelo varejo local acaba sendo mais eficaz para girar a economia da comunidade. O Banco Palma, em Fortaleza, é referência mundial no assunto.
Adaptado por Bruno Diniz