E oposição à teoria instrumental e liberal da moeda, existe uma teoria
institucional e intervencionista que introduz idéias interessantes: a
moeda não é um apêndice, mas a própria condição para a existência do
mercado, e sua gestão eficaz, em vez de desordenar, permite agir
favoravelmente sobre o conjunto da economia.
Mas, associada a essa teoria, encontra-se a idéia de que a moeda é
fundamentalmente uma criação do Estado, cujo poder monetário é
particularmente exemplificado pela instituição, logo após a I Guerra
Mundial, da circulação obrigatória da moeda fiduciária. A redução da
moeda a uma propriedade do poder estatal também suscita paradoxos,
principalmente o de que a história da moeda não passa, na realidade, da
história da resistência dos agentes privados a esse poder.
Já era assim na época das moedas metálicas. No século XVI, não eram o
ouro e a prata franqueados que circulavam, e sim peças que o príncipe
tinha o monopólio de cunhar, às quais atribuía um valor legal em unidade
de conta. O ouro e a prata não eram, portanto, moeda-mercadoria; por
decisão do príncipe se transformavam em moeda metálica. Mas os agentes
privados contestavam sem cessar esse valor legal e utilizavam as moedas
atribuindo-lhes “valores voluntários”, quase sempre mais elevados. Essa
depreciação da unidade de conta – que correspondia na prática a um peso
de metal precioso inferior à definição oficial – era uma forma de
inflação e demonstrava que os príncipes não geriam a moeda como bem
entendiam.
O poder monetário do Estado submete-se, portanto, a duas graves
limitações: as decisões dos agentes privados intervêm no processo de
criação da moeda, seja quanto à oferta (impossibilidade de controlar
rigorosamente a cunhagem em regime de moeda metálica, autonomia relativa
dos bancos em regime de moeda fiduciária), seja quanto à demanda (o
volume da emissão monetária depende definitivamente de os agentes
privados decidirem entre levar seu ouro à Casa da Moeda ou pedir
empréstimo ao banco); por outro lado, o comportamento dos agentes
privados na circulação da moeda pode expressar sua desconfiança ante a
gestão pública dessa mesma moeda e causar sua depreciação interna
(inflação) ou ex.ema (baixa da taxa de câmbio).
Ao se confrontar as duas teorias da moeda, constata-se então que ela não
é um objeto-mercadoria nem um atributo do poder estatal; trata-se,
antes, da condição para a existência dos mercados e da expressão de uma
coesão social que permite ao Estado exercer suas funções. Um regime
monetário é um conjunto de regras do jogo próprio de uma determinada
sociedade.
A MOEDA MODERNA
Qual seria, segundo essa ótica, a diferença entre moeda moderna e moeda
antiga? Atualmente, costuma-se dizer que a moeda moderna é moeda
fiduciária, enquanto a moeda antiga era moeda-mercadoria; a moeda
metálica do passado, portadora de um valor intrínseco regulado pelo
mecanismo do mercado do metal, opor-se-ia assim à moeda desmaterializada
de hoje, cujo único fundamento é a confiança inspirada pelo Estado, que
impõe seu curso legal. Essa oposição é inadequada: só existe economia
monetária quando há unidade de conta abstrata, e esta pode coexistir com
meios de circulação metálicos.
Em compensação, dois fatores caracterizam o regime de moeda bancária, pelo qual se define a moeda moderna. Em primeiro lugar, o princípio de emissão permite que uma categoria de agentes, os empresários, obtenham a moeda sob a garantia de uma promessa de atividade. Apesar de o acesso ao crédito bancário estender-se atualmente ao conjunto dos agentes econômicos, há uma diferença fundamental entre aqueles – particularmente os assalariados – que podem obter empréstimos mediante a garantia de rendas passadas (ou da probabilidade de continuarem a dispor dessas rendas) e aqueles – os empresários – que obtêm crédito mediante a garantia de um projeto mercantil cujo êxito (caução única para o reembolso do empréstimo) é incerto. Esse princípio de emissão engendra, portanto, uma discriminação social, mas é também um fator de dinamismo econômico porque, como observou Keynes, “permite aos empresários levar seus negócios com confiança”.
Em segundo lugar, o sistema bancário é hierarquizado, e a atividade dos bancos secundários supõe a existência de um credor de última instância. Este “banco dos bancos”, o banco central, tem dupla função. Por um lado, assegura a compensação interbancária, e, para tanto, fixa na unidade de conta do território a taxa das moedas bancárias. Na realidade, um franco emitido por um banco comercial não é o mesmo emitido por outro banco; a aceitação de cheques emitidos contra este ou aquele banco – e, portanto, a utilização de depósitos bancários como moeda – supõe um princípio de compensação organizado por uma instância central.
Por outro lado o banco central protege os demais bancos das falhas de reembolso inerentes ao princípio de emissão descrito anteriormente, garantindo-lhes o refinanciamento em moeda central. Esse mecanismo de segurança certamente não-automático, faz com que recaiam sobre a sociedade, mediante sua repercussão sobre a inflação e as taxas de cambio, as conseqüências da incapacidade de parte dos empresários em honrar seus compromissos de reembolso; mas também fornece ao sistema uma elasticidade relativa, como atualmente se constata ao evitar a propagação de falências.
Essas características da moeda moderna demonstram que sua origem não se encontra na substituição das espécies metálicas. Essa origem deve ser pesquisada no século XVI, na articulação entre as espécies metálicas cunhadas pelos príncipes – a moeda central – e as letras de câmbio postas em circulação na Europa pelos mercadores-banqueiros italianos – a moeda bancária.
Unidade de conta das relações sociais, a moeda materializa as regras que permitem o jogo complexo das economias. Paradoxal por natureza – pois se apresenta como conseqüência da atividade econômica quando, na realidade é sua condição – não é de se estranhar que ela seja objeto tanto de debates teóricos como de interesses práticos.
Em compensação, dois fatores caracterizam o regime de moeda bancária, pelo qual se define a moeda moderna. Em primeiro lugar, o princípio de emissão permite que uma categoria de agentes, os empresários, obtenham a moeda sob a garantia de uma promessa de atividade. Apesar de o acesso ao crédito bancário estender-se atualmente ao conjunto dos agentes econômicos, há uma diferença fundamental entre aqueles – particularmente os assalariados – que podem obter empréstimos mediante a garantia de rendas passadas (ou da probabilidade de continuarem a dispor dessas rendas) e aqueles – os empresários – que obtêm crédito mediante a garantia de um projeto mercantil cujo êxito (caução única para o reembolso do empréstimo) é incerto. Esse princípio de emissão engendra, portanto, uma discriminação social, mas é também um fator de dinamismo econômico porque, como observou Keynes, “permite aos empresários levar seus negócios com confiança”.
Em segundo lugar, o sistema bancário é hierarquizado, e a atividade dos bancos secundários supõe a existência de um credor de última instância. Este “banco dos bancos”, o banco central, tem dupla função. Por um lado, assegura a compensação interbancária, e, para tanto, fixa na unidade de conta do território a taxa das moedas bancárias. Na realidade, um franco emitido por um banco comercial não é o mesmo emitido por outro banco; a aceitação de cheques emitidos contra este ou aquele banco – e, portanto, a utilização de depósitos bancários como moeda – supõe um princípio de compensação organizado por uma instância central.
Por outro lado o banco central protege os demais bancos das falhas de reembolso inerentes ao princípio de emissão descrito anteriormente, garantindo-lhes o refinanciamento em moeda central. Esse mecanismo de segurança certamente não-automático, faz com que recaiam sobre a sociedade, mediante sua repercussão sobre a inflação e as taxas de cambio, as conseqüências da incapacidade de parte dos empresários em honrar seus compromissos de reembolso; mas também fornece ao sistema uma elasticidade relativa, como atualmente se constata ao evitar a propagação de falências.
Essas características da moeda moderna demonstram que sua origem não se encontra na substituição das espécies metálicas. Essa origem deve ser pesquisada no século XVI, na articulação entre as espécies metálicas cunhadas pelos príncipes – a moeda central – e as letras de câmbio postas em circulação na Europa pelos mercadores-banqueiros italianos – a moeda bancária.
Unidade de conta das relações sociais, a moeda materializa as regras que permitem o jogo complexo das economias. Paradoxal por natureza – pois se apresenta como conseqüência da atividade econômica quando, na realidade é sua condição – não é de se estranhar que ela seja objeto tanto de debates teóricos como de interesses práticos.