Na época de Maomé, no início do século VII, os árabes não possuíam
moedas próprias, e certamente nem precisavam delas. Para as tribos
nômades, cujo principal padrão de riqueza era o camelo, é certo que o
escambo constituía o meio de troca mais difundido, enquanto nas cidades
mercantis, como Meca e Medina, provavelmente as moedas estrangeiras – o
ouro bizantino ou a prata persa – eram utilizadas nas transações
importantes.
Entre 636 e 655, as primeiras conquistas árabes – que tornaram a Síria, a Palestina e o Egito dos bizantinos, a oeste, e aniquilaram o império persa dos Sassânidas, a leste – trouxeram enorme quantidade de metais preciosos, com a pilhagem de baixelas, taças e moedas. Mas uma nova moeda não tinha qualquer urgência em face do supremo objetivo: guerra santa.
Os novos senhores muçulmanos adaptaram-se muito bem aos sistemas já existentes nas regiões conquistadas, e retomaram-nos a seu modo, com pequenas modificações. No Oriente, continuaram a cunhar delgadas dracmas de prata com a efígie do falecido imperador sassânida Cosroés II, acompanhada, porém, da inscrição em árabe: “Em nome de Alá.” Nas margens do Mediterrâneo, conservaram o tipo original do solidus de ouro e do follis de bronze: o busto ou a figura de pé dos imperadores de Constantinopla, Heráclius, com seu filho, ou Constantino II, acrescentando-lhes às vezes uma inscrição em árabe e suprimindo-lhes as cruzes, símbolos da cristandade largamente representados nas moedas bizantinas.
O advento da dinastia dos Omíadas, em 661, marca o início da verdadeira administração do império. No campo monetário, a primeira evolução para temas efetivamente muçulmanos surgiu na Síria e na Palestina, sob a influência do califa Abdel-Malik (685-705), principalmente na moedagem de bronze: em Damasco, Édessa e Jerusalém, cunharam-se moedas com figura do califa de pé, segurando com as duas mãos uma espada embainhada e rodeado por uma legenda em árabe.
NASCIMENTO DO DINAR
Em 696, Abdel-Malik teve o mérito de instaurar em todo o império um sistema monetário coerente que atendia às necessidades econômicas tanto nacionais como internacionais.
Para as transações importantes e o grande comércio, passou-se a utilizar o dinar de ouro, pesando 4,3 g; para o pagamento de salários e impostos, o dirém de prata, de 2,8 g; e para as compras comuns e cotidianas, o fels de bronze. O valor relativo dessas moedas não era fixo, pois evoluía segundo o preço dos diferentes metais. Originariamente, o dinar valia 10 diréns, mas valorizou-se a ponto de valer 14 e até 20 diréns em diferentes épocas. O dirém oscilava entre 16 e 24 fels -, pois seu peso variava de acordo com as regiões.
A denominação dessas novas moedas derivava diretamente das moedas de origem estrangeira até então utilizadas: o dinar, herdeiro – e concorrente – do solidus bizantino, devia seu nome ao denarius (denário) latino: o dirém retomava o aspecto e a denominação da dracma persa; e o fels (foulus, no plural), descendia diretamente do follis bizantino.
Em compensação, o aspecto visual das moedas era inteiramente revolucionário, despojado de alegorias, inscrições em homenagem ao príncipe reinante ou retratos. Tratava-se de moedas islâmicas, que deveriam, portanto, apenas participar da louvação a Deus – nem sequer o nome do califa figurava nelas. Como a representação de formas humanas e animais fora desaprovada pelo Profeta, elas se limitavam a apresentar um texto, com profissões de fé caligrafadas numa elegante escrita cúfica.
Esse sistema rompia com a tradição monetária do Oriente Médio e da África do Norte, ao mesmo tempo figurativa e pessoal (retrato do príncipe ou o emblema da cidade). Teria, entretanto, uma longevidade surpreendente, pois suas últimas moedas foram cunhadas no Iêmen por volta de 1960. Uma singular modernidade desse sistema: nenhum Estado soberano havia definido até então seu numerário de maneira tão explícita. Os árabes foram os primeiros a indicar ao mesmo tempo o nome, o local de cunhagem e o ano de circulação de suas moedas, datadas com os anos da Hégira, de acordo com o calendário muçulmano. No Ocidente, o hábito de datar as moedas só se generalizou a partir do século XV.
FIM DE UMA UNIDADE
Enquanto os dinares eram cunhados exclusivamente na capital dos Omíadas, Damasco, os diréns eram fabricados em inúmeras grandes cidades do império. As oficinas de maior atividade encontravam-se, certamente, em Damasco, mas também em Wasit, cidade fundada em 703 no vale do Tigre (ao noroeste de Basora, no Iraque). A disseminação dessas oficinas permite avaliar a imensidão do império: da Espanha (Córdoba) a Túnis, do Azerbaijão ao Afeganistão (Balkh) e ao Paquistão (região do Sind).
Os Abácidas destituíram os Omíadas em 750, e a expansão do comércio nos séculos VIII e IX desenvolveu o uso da moeda. Bagdá, a nova capital fundada em 762, absorveu grande parte das riquezas do império: converteu-se rapidamente no principal pólo econômico e num importante centro de cunhagem de ouro e prata. Quanto aos tipos monetários, continuaram iguais aos dos reinos precedentes; mencionavam, porém, o nome do califa, logo acompanhado pelo dos governadores de província. Mas o estilo caligráfico e a aparência das moedas diferenciaram-se por regiões, à medida que se firmavam dinastias locais nas províncias da Espanha, da África do Norte e do Irã Oriental.
Em 945, a revolução buíida eliminou o poder central dos Abácidas. Desde então, deixou de haver moeda comum no mundo muçulmano: os termos dinar e dirém continuaram a designar moedas de ouro e prata, mas seus diversos pesos e quilates, assim como a disposição de suas inscrições, passaram a refletir as ambições e os recursos financeiros de cada dinastia. Única exceção nesses tempos política e economicamente conturbados, o Egito dos Fatímidas (969-1171) era um país próspero: controlando a saída do ouro sudanês e ocupando posição estratégica nas grandes rotas do comércio marítimo, durante muito tempo continuou a cunhar dinares fortes.
No século XIII, as invasões mongóis que devastaram todo o Oriente muçulmano – Bagdá foi saqueada em 1258, e o califa abácida, executado – eliminaram os últimos vestígios do sistema concebido por Abdel-Malik. Logo, cada país passou a ter sua própria política monetária, a definir e nomear seu numerário. Somente no império otomano surgiu nova moeda de grande difusão: inicialmente um aspre de prata (de 1,2 g, e depois de 0,8 g), complementado, em 1478, por um sultani de ouro. Essas moedas circularam da Argélia à Turquia e até os Balcãs.
Entretanto, esse sistema não demonstrou a mesma estabilidade do precedente. Prejudicado, desde o final do século XVI, pela chegada maciça da prata das minas espanholas da América do Sul, foi revisado várias vezes antes de ser reformado em 1688, sem jamais se impor efetivamente ante as moedas ocidentais. Os tipos monetários retomaram a antiga tradição das peças personalizadas: apesar de não-figurativas, as novas moedas eram todas dedicadas à glória do sultão, ostentando freqüentemente o seu selo (a toughra) e citando sua filiação.
No mundo islâmico de hoje, assiste-se ao florescimento de moedas estritamente nacionais. Está definitivamente ultrapassada a época em que as moedas, transcendendo sua função econômica e atravessando as fronteiras políticas, destinavam-se exclusivamente a participar da celebração a Deus.
Entre 636 e 655, as primeiras conquistas árabes – que tornaram a Síria, a Palestina e o Egito dos bizantinos, a oeste, e aniquilaram o império persa dos Sassânidas, a leste – trouxeram enorme quantidade de metais preciosos, com a pilhagem de baixelas, taças e moedas. Mas uma nova moeda não tinha qualquer urgência em face do supremo objetivo: guerra santa.
Os novos senhores muçulmanos adaptaram-se muito bem aos sistemas já existentes nas regiões conquistadas, e retomaram-nos a seu modo, com pequenas modificações. No Oriente, continuaram a cunhar delgadas dracmas de prata com a efígie do falecido imperador sassânida Cosroés II, acompanhada, porém, da inscrição em árabe: “Em nome de Alá.” Nas margens do Mediterrâneo, conservaram o tipo original do solidus de ouro e do follis de bronze: o busto ou a figura de pé dos imperadores de Constantinopla, Heráclius, com seu filho, ou Constantino II, acrescentando-lhes às vezes uma inscrição em árabe e suprimindo-lhes as cruzes, símbolos da cristandade largamente representados nas moedas bizantinas.
O advento da dinastia dos Omíadas, em 661, marca o início da verdadeira administração do império. No campo monetário, a primeira evolução para temas efetivamente muçulmanos surgiu na Síria e na Palestina, sob a influência do califa Abdel-Malik (685-705), principalmente na moedagem de bronze: em Damasco, Édessa e Jerusalém, cunharam-se moedas com figura do califa de pé, segurando com as duas mãos uma espada embainhada e rodeado por uma legenda em árabe.
NASCIMENTO DO DINAR
Em 696, Abdel-Malik teve o mérito de instaurar em todo o império um sistema monetário coerente que atendia às necessidades econômicas tanto nacionais como internacionais.
Para as transações importantes e o grande comércio, passou-se a utilizar o dinar de ouro, pesando 4,3 g; para o pagamento de salários e impostos, o dirém de prata, de 2,8 g; e para as compras comuns e cotidianas, o fels de bronze. O valor relativo dessas moedas não era fixo, pois evoluía segundo o preço dos diferentes metais. Originariamente, o dinar valia 10 diréns, mas valorizou-se a ponto de valer 14 e até 20 diréns em diferentes épocas. O dirém oscilava entre 16 e 24 fels -, pois seu peso variava de acordo com as regiões.
A denominação dessas novas moedas derivava diretamente das moedas de origem estrangeira até então utilizadas: o dinar, herdeiro – e concorrente – do solidus bizantino, devia seu nome ao denarius (denário) latino: o dirém retomava o aspecto e a denominação da dracma persa; e o fels (foulus, no plural), descendia diretamente do follis bizantino.
Em compensação, o aspecto visual das moedas era inteiramente revolucionário, despojado de alegorias, inscrições em homenagem ao príncipe reinante ou retratos. Tratava-se de moedas islâmicas, que deveriam, portanto, apenas participar da louvação a Deus – nem sequer o nome do califa figurava nelas. Como a representação de formas humanas e animais fora desaprovada pelo Profeta, elas se limitavam a apresentar um texto, com profissões de fé caligrafadas numa elegante escrita cúfica.
Esse sistema rompia com a tradição monetária do Oriente Médio e da África do Norte, ao mesmo tempo figurativa e pessoal (retrato do príncipe ou o emblema da cidade). Teria, entretanto, uma longevidade surpreendente, pois suas últimas moedas foram cunhadas no Iêmen por volta de 1960. Uma singular modernidade desse sistema: nenhum Estado soberano havia definido até então seu numerário de maneira tão explícita. Os árabes foram os primeiros a indicar ao mesmo tempo o nome, o local de cunhagem e o ano de circulação de suas moedas, datadas com os anos da Hégira, de acordo com o calendário muçulmano. No Ocidente, o hábito de datar as moedas só se generalizou a partir do século XV.
FIM DE UMA UNIDADE
Enquanto os dinares eram cunhados exclusivamente na capital dos Omíadas, Damasco, os diréns eram fabricados em inúmeras grandes cidades do império. As oficinas de maior atividade encontravam-se, certamente, em Damasco, mas também em Wasit, cidade fundada em 703 no vale do Tigre (ao noroeste de Basora, no Iraque). A disseminação dessas oficinas permite avaliar a imensidão do império: da Espanha (Córdoba) a Túnis, do Azerbaijão ao Afeganistão (Balkh) e ao Paquistão (região do Sind).
Os Abácidas destituíram os Omíadas em 750, e a expansão do comércio nos séculos VIII e IX desenvolveu o uso da moeda. Bagdá, a nova capital fundada em 762, absorveu grande parte das riquezas do império: converteu-se rapidamente no principal pólo econômico e num importante centro de cunhagem de ouro e prata. Quanto aos tipos monetários, continuaram iguais aos dos reinos precedentes; mencionavam, porém, o nome do califa, logo acompanhado pelo dos governadores de província. Mas o estilo caligráfico e a aparência das moedas diferenciaram-se por regiões, à medida que se firmavam dinastias locais nas províncias da Espanha, da África do Norte e do Irã Oriental.
Em 945, a revolução buíida eliminou o poder central dos Abácidas. Desde então, deixou de haver moeda comum no mundo muçulmano: os termos dinar e dirém continuaram a designar moedas de ouro e prata, mas seus diversos pesos e quilates, assim como a disposição de suas inscrições, passaram a refletir as ambições e os recursos financeiros de cada dinastia. Única exceção nesses tempos política e economicamente conturbados, o Egito dos Fatímidas (969-1171) era um país próspero: controlando a saída do ouro sudanês e ocupando posição estratégica nas grandes rotas do comércio marítimo, durante muito tempo continuou a cunhar dinares fortes.
No século XIII, as invasões mongóis que devastaram todo o Oriente muçulmano – Bagdá foi saqueada em 1258, e o califa abácida, executado – eliminaram os últimos vestígios do sistema concebido por Abdel-Malik. Logo, cada país passou a ter sua própria política monetária, a definir e nomear seu numerário. Somente no império otomano surgiu nova moeda de grande difusão: inicialmente um aspre de prata (de 1,2 g, e depois de 0,8 g), complementado, em 1478, por um sultani de ouro. Essas moedas circularam da Argélia à Turquia e até os Balcãs.
Entretanto, esse sistema não demonstrou a mesma estabilidade do precedente. Prejudicado, desde o final do século XVI, pela chegada maciça da prata das minas espanholas da América do Sul, foi revisado várias vezes antes de ser reformado em 1688, sem jamais se impor efetivamente ante as moedas ocidentais. Os tipos monetários retomaram a antiga tradição das peças personalizadas: apesar de não-figurativas, as novas moedas eram todas dedicadas à glória do sultão, ostentando freqüentemente o seu selo (a toughra) e citando sua filiação.
No mundo islâmico de hoje, assiste-se ao florescimento de moedas estritamente nacionais. Está definitivamente ultrapassada a época em que as moedas, transcendendo sua função econômica e atravessando as fronteiras políticas, destinavam-se exclusivamente a participar da celebração a Deus.